A Polícia Federal (PF) vai pedir o bloqueio dos R$ 17 milhões que Bolsonaro recebeu via PIX pela suspeita de que esse dinheiro é resultado de operações de lavagem de dinheiro, sobretudo da venda de joias e presentes que o ex-presidente recebeu e vendeu no exterior, especialmente nos Estados Unidos. O pedido de bloqueio do dinheiro, que foi depositado nas contas do capitão por supostos apoiadores para que ele pudesse pagar multas que recebeu durante a pandemia por não usar máscaras, deverá ser recebido nos próximos dias por Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que deverá decretar, de pronto, o congelamento do dinheiro nas contas do ex-mandatário. Segundo fontes da PF, o gabinete do ministro já está aguardando a chegada do pedido, que será feito por delegados que investigam os malfeitos da organização criminosa montada em torno dos militares que auxiliavam o então presidente, e tão logo chegue, será despachado pelo ministro. A previsão é que isso ocorra nos próximos dias.
Os delegados da PF que estão à frente das investigações sobre os depósitos milionários que irrigaram as contas de Bolsonaro explicam que o bloqueio do dinheiro e a quebra do sigilo bancário e fiscal do ex-presidente e da ex-primeira-dama, Michelle, propiciará que os peritos da instituição possam rastrear a origem do dinheiro depositado de forma fragmentada, e em baixos valores, para não despertar suspeitas junto ao Coaf.
Peritos da PF, de acordo com informações exclusivas obtidas por ISTOÉ, acreditam que os R$ 17 milhões recebidos em PIX são mesmo fruto de lavagem de capitais, que é um crime com penas de no mínimo 12 anos de prisão.
Os investigadores pretendem levantar, CPF por CPF, quem foram os doadores no financiamento coletivo para o suposto pagamento das multas
“Com o bloqueio e quebras, vamos poder cruzar os dados e chegar aos doadores. É que o sistema PIX é feito pelos bancos, identifica o CPF dos supostos colaboradores. Diante disso, vamos aos doadores saber de onde obtiveram o dinheiro doado. Essas pessoas vão ter que demonstrar como receberam os valores doados. Com isso, podemos comprovar que as doações não passam de lavagem de dinheiro”, disse a fonte.
Um delegado da PF à frente do pedido de bloqueio acha muito estranho a forma como o ex-presidente passou a receber grandes somas de uma hora para a outra, especialmente depois que deixou a presidência e quase que simultaneamente à venda de joias no exterior.
“Durante a campanha, Bolsonaro praticamente não recebeu doações. Por que, então, seus seguidores doariam agora?”, pergunta a fonte.
Os investigadores entendem que as investigações contra o ex-presidente aumentam, cada vez mais, a fervura que envolve sua família e militares que executavam suas ordens para a movimentação de altas somas e que levaram ao enriquecimento do capitão.
Na quebra do sigilo dos telefones do tenente-coronel Mauro Cid, os policiais mostram que há conversas do ex-ajudante de ordens do ex-presidente com Michelle, em que ele fala de valores que ela desviava do dinheiro público para pagar suas despesas pessoais, como cabelereiros e manicures, mas as autoridades policiais informam que há muita coisa das conversas de Cid com Michelle que ainda não foi divulgada e que deverá vir à pública em breve.
“O Mauro Cid não aprende. Apreendemos o celular dele em 2022 por causa da live em que ele prega que as urnas são devassáveis e lá tinha muita coisa comprometedora. Agora, com a nova apreensão de seus celulares em razão do escândalo das joias, ele comete os mesmos erros, deixando rastros de suas conversas não republicanas com a ajudante de ordens de Michelle”.
“É preciso identificar se houve engenharia por trás da arrecadação para saber se ocorreu tentativa de tornar lícito dinheiro de origem ilícita.”
Renato Reis Aragão, criminalista e professor de Processo Penal
No inquérito que investiga desvios de joias do patrimônio da União para venda no EUA, especialmente Miami, está sendo aberta uma outra frente de apurações.
Com a apreensão dos telefones do ex-deputado Daniel Silveira e do empresário Luciano Hang, dono da Havan, os policiais podem recolher subsídios para o inquérito que o ministro Alexandre de Moraes desenvolve sobre as milícias digitais, que devem incriminar os filhos do ex-presidente, como Carlos, Eduardo e Flávio.
“Com a quebra do sigilos dos celulares de Hang e Silveira, estamos perto de pegar esse núcleo do gabinete do ódio. No início, os investigadores não estavam conseguindo quebrar o sigilo das conversas dos dois, mas agora fizemos um acordo com o FBI nos Estados Unidos e esses celulares já estão lá e teremos acesso ao que eles falavam e que deve comprometer os filhos de Bolsonaro”, diz.
No rastro do dinheiro
A linha de investigação da Polícia Federal na apuração de suposta lavagem de dinheiro dos milhões arrecadados via PIX fará o caminho inverso ao das contas do ex-presidente.
Os investigadores pretendem levantar, CPF por CPF, quem foram os doadores no financiamento coletivo para pagamento das multas pelo não uso de máscara durante a pandemia.
Para tanto, contam, a partir da quebra de sigilo de Bolsonaro e de sua esposa, Michelle, com a colaboração do Ministério Público para que acessem os registros do Sistema de Investigação de Movimentações Interbancárias (Simba).
Recebida a lista de doadores, deverão adotar algum atalho para filtrar os depósitos suspeitos, já que a relação contará com milhares de nomes e até que cheguem à origem do dinheiro, ou ao suposto elo com a verba ilícita objeto de lavagem, teriam que ir quebrando sigilo de um por um sucessivamente caso não estabeleça linha de corte.
“Se é essa a suspeita, procurarão esse algo a mais, que levantaria dúvida sobre a intenção da doação, já que não haveria fundamento para a quebra de sigilo de todos. Esse algo a mais pode ser, por exemplo, de depósitos acima de certo valor, repetição de depósitos de mesmo doador ou até mesmo alguma relação com o ex-presidente”, diz o advogado especialista em Direito Penal Bruno Ikaez.
“É preciso identificar se houve engenharia por trás da arrecadação para saber se ocorreu tentativa de tornar lícito dinheiro de origem ilícita”, afirma o criminalista e professor de Processo Penal Renato Reis Aragão.
A revelação do montante levantado pelo ex-presidente apareceu durante a CPMI dos Atos Golpistas no Congresso, quando foram analisadas movimentações financeiras do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que se encontra preso.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) emitiu relatório em que apontou que de 1º de janeiro e 4 de julho deste ano, a conta pessoal do ex-presidente movimentara cerca de R$ 20 milhões, sendo que recebera 769 mil depósitos via Pix que totalizavam R$ 17,2 milhões.
“Provavelmente”, segundo o Coaf, relacionados à campanha de arrecadação feita por apoiadores para pagamento de multa. A conta foi aberta em junho de 2020, no Banco do Brasil. O conselho divulgou, também, que R$ 17 milhões haviam sido investidos em aplicações de renda fixa.
Outra implicância que a vaquinha pode incorrer é ser enquadrada como crime contra economia popular, Lei 1521, que é caracterizada por tentativa de “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos”.
O crime de lavagem de dinheiro prevê de 3 a 10 anos de reclusão, enquanto o crime contra a economia popular estipula detenção de 6 meses a 2 anos.
Ironia
Quando revelada a alta quantia adquirida com a arrecadação, Bolsonaro reagiu com ironia às suspeitas no último dia 29 de julho, durante evento do PL Mulher, em Florianópolis (SC), onde foi acompanhar a esposa.
“Muito obrigado a todos aqueles que colaboraram comigo. (…)Dá para pagar todas as minhas contas e ainda sobra dinheiro aqui para gente tomar um caldo de cana e comer um pastel com a dona Michelle”, disse ao microfone.
Mas agiu com irritação com a revelação da quantia milionária.
“A ampla publicização nos veículos de imprensa de tais informações consiste em insólita, inaceitável e criminosa violação de sigilo bancário, espécie, da qual é gênero, o direito à intimidade, protegido pela Constituição Federal no capítulo das garantias individuais do cidadão. Para que não se levantem suspeitas levianas e infundadas sobre a origem dos valores divulgados, a defesa informa que estes são provenientes de milhares de doações efetuadas via Pix por seus apoiadores, tendo, portanto, origem absolutamente lícita”, diz nota divulgada pelo ex-presidente, assinada na época pelos advogados Paulo da Cunha Bueno, Daniel Tesser e Fábio Wajngarten, ex-ministro da Secom.
Fazendeiros
Essa não é a única frente de problemas que o ex-presidente enfrentará nos próximos dias. Fontes ligadas às investigações da PF mostram, ainda, que o ministro Alexandre deve fechar o cerco contra empresários que colaboraram com os bolsonaristas para incentivarem a formatação de um golpe de Estado.
A PF deve obter provas contra empresários que financiaram e promoveram atos antidemocráticos sobretudo no ano de 2022, quando o ex-presidente intensificou ações que objetivavam dar um golpe e impedir a vitória do ex-presidente Lula.
As investigações devem ter como foco especialmente empresários pequenos, médios e grandes, sobretudo ligados ao agronegócio.
A informação é que os fazendeiros das regiões do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, que estão estabelecidos na fronteira com o Paraguai, tiveram liberada a fronteira com o país vizinho para comprarem, por preços bem mais baixos, fertilizantes e outros produtos para melhorar a o desempenho das supersafras durante todo o governo Bolsonaro.
Esses empresários teriam retribuído essa ajuda com o financiamento dos atos golpistas.
Até o final do ano, muitos grandes empresários que já estão sendo investigados pela PF, como o dono da Tecnisa, Meyer Nigri, poderão ser alvo de apurações.
Sobre a possibilidade de novos atos pedindo intervenção militar e golpe de Estado contra Lula, fontes ligadas à investigação dizem não acreditar que os bolsonaristas provoquem manifestações significativas contra a democracia.
Acham que após as prisões em massa dos responsáveis pelos ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília, no último dia 8 de janeiro, os seguidores dos líderes da extrema direita ficaram temerosos de serem presos.
“Os defensores do golpe entenderam que a posição do tribunal é de prender todos os que forem às ruas pedir a volta dos militares ou o fim do Estado Democrático de Direito”, disse uma fonte de ISTOÉ em Brasília.
O whatsapp golpista dos empresários
Ex-presidente admitiu enviar mensagens de teor antidemocrático ao grupo
Além do bloqueio dos depósitos milionários via PIX, Jair Bolsonaro também deve ter dissabores com as mensagens de teor golpista que trocava em um grupo de WhatsApp formado por empresários aliados.
O ex-presidente admitiu que os municiava com fake news sobre o processo eleitoral brasileiro e críticas a ministros do STF e do TSE.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso no Supremo, menciona “aderência voluntária ao mesmo modo de agir da associação especializada investigada do Inq. 4874/DF” (inquérito das milícias digitais).
As mensagens golpistas propagadas por Bolsonaro chegavam ao grupo por meio de Meyer Joseph Nigri, dono da construtora Tecnisa e um de seus principais interlocutores no meio empresarial. “Eu mandei para o Meyer, qual o problema?”, disse o ex-presidente em entrevista ao UOL, na quarta-feira 23.
Os investigadores identificaram que mensagens publicadas por Nigri tinham origem em um número de telefone celular vinculado ao ex-presidente.
O empresário recebia fake news de Bolsonaro e publicava no grupo. Em pelo menos um episódio, chegou a dar um retorno ao ex-presidente, dizendo que uma dessas mensagens havia sido repassada também a diversos outros grupos.
Por essa razão, o ministro Alexandre de Moraes deu mais 60 dias, a partir de 18 de agosto, para a continuidade das investigações em relação à conduta de Meyer Nigri e de outro membro, Luciano Hang, dono das Lojas Havan e notório apoiador de Bolsonaro.
Se restam evidentes as ligações entre Nigri e o ex-presidente, Hang segue no alvo da PF porque não forneceu aos investigadores a senha do seu telefone celular.
Prosseguem, portanto, as tentativas de desbloqueio do aparelho para posterior análise dos dados.
“Eu mandei para o Meyer, qual o problema?” Jair Bolsonaro
A investigação foi arquivada, no entanto, em relação aos empresários Afrânio Barreira Filho, José Isaac Peres, José Khoury Junior, Ivan Wrobel, Marco Aurélio Raymundo e Luiz André Tissot.
“Embora anuíssem com as notícias falsas, não passaram dos limites de manifestação interna no referido grupo, sem a exteriorização capaz de causar influência em terceiros como formadores de opinião”, anotou Alexandre de Moraes em sua decisão.
Colaborou Luiz Cesar Pimentel