‘Grama’, ‘geladeira’, ‘dica’. Essas e outras palavras e expressões ‘brasileiras’ têm se tornado cada vez mais comuns no vocabulário dos portugueses, segundo linguistas e estudiosos do tema.
Elas são usadas principalmente por crianças e adolescentes, que seguem com assiduidade influencers e youtubers do Brasil nas redes sociais.
Mas os portugueses mais velhos também são pegos cada vez mais cometendo ‘brasileirismos’, em uma tendência que começou na década de 1970 com a influência das novelas importadas do Brasil para Portugal e foi potencializada nos útlimos anos por conteúdos nas redes sociais.
Linguistas e especialistas no tema que, por meio da observação, ajudaram a elaborar uma pequena lista de expressões e construções brasileiras que aos poucos estão sendo introduzidas no léxico dos portugueses.
Fernando Venâncio, linguista português que estuda o tema há décadas, identificou algumas dessas palavras em seu livro O Português à Descoberta do Brasileiro.
Muitas delas, segundo ele, já são usadas em Portugal há algumas décadas. “Um brasileiro, por exemplo, anuncia a pergunta que vai fazer com ‘será que’. Isto não existia no português de Portugal nesta modalidade”, diz.
“Um brasileirismo que eu mesmo uso e acho que foi um ganho é ‘dica’. Não conhecíamos essa palavra em Portugal usávamos ‘sugestão’ ou algo assim. Mas a palavra brasileira é mais prática e curta.”
A professora Teresa de Gruyter dá aulas de inglês para adolescentes em uma escola de línguas em Cascais. Ela afirma aprender com certa frequência novas palavras brasileiras com seus alunos.
“Há pouco tempo alguém me disse que ‘estava p*ta da vida’. Eu percebi que ela queria dizer que estava furiosa com a vida, mas para nós a palavra p*ta significa prostituta”, conta.
“Algo parecido acontece com a expressão ‘isso é foda’. Nós diríamos ‘isso aqui é giro’, pois em Portugal foda é o ato sexual e nada mais.”
O linguista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Xoán Lagares, nota ainda a influência da variante brasileira na omissão do artigo em determinados contextos e em certas questões de colocação pronominal.
O especialista explica que na variante europeia a omissão do artigo com possessivo só é possível em poucos contextos, segundo a tradição normativa local. O comum, portanto, seria dizer coisas como “a minha casa”, “vou-te dar o meu endereço” ou “a minha vida”.
Já no português brasileiro, o uso é mais variável, e expressões “minha casa”, “vou te dar meu endereço” e “minha vida” são aceitas.
Mas recentemente, o formato usado no Brasil tem sido observado também em Portugal.https://flo.uri.sh/visualisation/17046857/embed?auto=1
Gerúndio e o uso do ‘você’
Segundo os especialistas consultados pela BBC Brasil, dois aspectos muito apontados como ‘brasileirismos’ na variante portuguesa, na verdade, já existiam na língua de Camões.
Um deles é o uso o constante do gerúndio.
“O gerúndio é uma forma mais antiga. Até o século 19 ninguém dizia ‘estou a passear’, como dizemos hoje, diziam ‘estou passeando'”, afirma a professora catedrática de Linguística da Universidade de Coimbra, Graça Rio-Torto.
“Por uma razão que eu não sei explicar, no século 19 isso mudou, mas a sul do Rio Tejo, portanto a sul de Lisboa, sobretudo no Alentejo, no Algarve, nas Ilhas da Madeira e nos Açores, o gerúndio é construção dominante.”
E ao contrário do que muita gente acredita no Brasil, o uso da palavra ‘você’ também já era muito comum em Portugal.
Segundo Rio-Torto, a palavra, especialmente no singular, ocupa dois extremos. Ao mesmo tempo em que é muito usada por portugueses menos escolarizados e de zonas mais rurais do país, também está presente entre a classe alta.
Alguns linguistas também classificam a expressão como “um meio-termo” entre ‘o senhor’ ou ‘a senhora’ e o ‘tu’, em termos de formalidade.
Mas para algumas pessoas, seu uso por portugueses ainda pode ser considerado rude ou uma forma de inferiorizar alguém. “Pode ser uma marca um bocadinho desrespeitosa por parte de um falante culto. Eu, por exemplo, nunca me dirigiria a um aluno com ‘você'”, diz a professora da Universidade de Coimbra.
Para Fernando Venâncio, o uso da palavra não se trata de uma influência brasileira. “No máximo a habituação pode ser ter sido tal que para nós tratar outra pessoa por você se torna mais normal, mais aceitável, menos problemático”, diz.
Por Julia Braun