A Justiça de Mato Grosso concedeu, em decisão inédita com base na Lei Maria da Penha, medidas protetivas, na terça-feira (3), a uma mulher, 29, que recebeu ameaças de um amigo, 32, após a cobrança de uma dívida superior a R$ 170 mil. A jovem confiou na amizade de 12 anos em que tinha com agressor e financiou um carro de luxo, em seu nome, para o amigo. Ele, contudo, deixou de pagar as parcelas, no valor de R$ 2.800 cada, desde dezembro e, após a vítima cobrá-lo, passou a ameaçar por meio de incessantes ligações e mensagens, até ser bloqueado. A vítima também foi demitida do emprego, por influência do “amigo”, e voltou a fazer uso de remédios controlados por causa da situação.
A Defensoria Pública Estadual (DPEMT) teve o pedido acatado e com a decisão o agressor está proibido de se aproximar da vítima, dos seus familiares, mantendo no mínimo 500 metros de distância. Além da proibição de entrar em contato por qualquer meio de comunicação e de frequentar a residência, trabalho ou casa de amigos para preservar a integridade física e psicológica da vítima.
Além das parcelas atrasadas, que já somam mais de R$ 40 mil com juros e correções monetárias, ainda constam R$ 4300 em multas não pagas e o IPVA deste ano, R$ 3.600, em aberto.
Pouco tempo após a dívida e a cobrança da financiadora, a vítima descobriu que o amigo não tinha habilitação de motorista, após o mesmo ser parado por agentes da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob), em Cuiabá, e teve que chamar outra pessoa para remover o veículo.
Segundo a defensoria pública, em outra ocasião, ele foi parado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) e disse ao policial que o carro era da “esposa” dele, e que “estava só dando uma voltinha e já ia voltar pra casa”.
Segundo a Defensoria Pública, a vítima entrou em contato com o “ex-amigo” em março deste ano e cobrou o pagamento da dívida ou a devolução do veículo ao banco. Após o ocorrido, ele começou a ameaça-la, primeiramente de forma velada, e depois mais fortemente, chegando ao ponto de tirar fotos da fachada da casa dela e dizer que “estava ali fora para resolver o problema”, mandando mensagens e ligando insistentemente, até ser bloqueado pela vítima.
“Só me recordei quando fui atendida pela Defensoria, mas antes mesmo de fazer o financiamento ele já estava usando os meus cartões de crédito. Acho que ele me levou para viajar para depois pedir meu nome emprestado. Tem um pouco de violência patrimonial pela amizade, por me conhecer há muito tempo”, comentou.
Quando ainda eram amigos, os dois viajaram juntos. Na última viajem, o agressor pagou todas as despesas, entretanto, usou o cartão de crédito da vítima, por causa das restrições em seu nome.
Ele também usou dois cartões dela e não pagou as parcelas. Portanto, ela teveque assumir a dívida para conseguir cancelar os cartões.
De acordo com a DPEMT, amedrontada e envergonhada com a situação, a vítima buscou o Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem), em Cuiabá, que fez o pedido de medidas protetivas com base no artigo 5 da Lei Maria da Penha:
“Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”
A Defensoria Pública, além das medidas protetivas, também entrou com uma ação de reintegração de posse , cobrando também as multas, o dano material, e o deságio do carro. A Justiça ainda não apreciou o pedido. A vítima agora espera que o problema seja solucionado em definitivo para seguir em frente.
“Já estou um pouco mais aliviada, dormi muito melhor depois da medida protetiva. Fiquei muito feliz com o deferimento porque foi super-rápido. Baixei o aplicativo do botão de pânico. Se eu apertar, acredito que a polícia vai aparecer”, relatou.
A defensora pública e coordenadora do Nudem, Roseana Leite, explica que o agressor conhece toda a rotina da vítima, é do círculo de amizade, e também sabe os locais em que frequenta.
“A mulher, inclusive, buscou o Nudem muito emocionada e assustada, com temor das ameaças que estava sofrendo”, revelou.
Para a defensora, a decisão é pioneira por ser tratar de um relacionamento íntimo, mas sem envolvimento amoroso. O que é importante para ampliar a aplicabilidade da Lei Maria da Penha.
Esse entendimento é compartilhado pela juíza Tatyana Lopes de Araújo Borges, titular da 2ª Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Cuiabá.
“A própria lei, em seu artigo quarto, fala que devemos interpretá-la considerando os fins sociais a que ela se destina. Houve um progresso na legislação, ampliando essas possibilidades, garantindo uma maior segurança para as mulheres quanto aos seus direitos. A partir do momento que as mulheres denunciam, se encorajam, esse ciclo da violência é interrompido”, afirmou a magistrada.
Outros casos
Outros casos Em 2019, a Justiça de São Paulo concedeu medidas protetivas para uma tia que foi ameaçada pela sua sobrinha, que foi proibida de se aproximar da vítima, mantendo no mínimo 200 metros de distância, e de manter contato com ela por qualquer meio de comunicação ou por terceiro.
Há 7 anos, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) reconheceu, em um caso de estupro praticado pelo patrão contra a sobrinha de sua falecida companheira, contratada por ele como empregada doméstica, que também deveria ser aplicada a Lei Maria da Penha, e o processo foi julgado pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Planaltina-DF.
Fonte: GD