Trabalhar como motorista de aplicativo envolve conhecer pessoas diariamente, diferentes umas das outras, às vezes mais extrovertidas e às vezes silenciosas. Cada uma carrega uma trajetória de vida que tem seus pequenos momentos compartilhados com aquela motorista que cruzou brevemente o seu caminho. O amor por ouvir histórias de passageiros, fez com que Valquíria Pinheiro Miranda, decidisse contar essas histórias para outras pessoas e, assim, surgiu o “PodVal – fala que eu te escuto”, um tipo de podcast em que cada cliente tem a oportunidade de compartilhar algo.
Valquíria Miranda começou a fazer corridas por aplicativo em 2018 como complementação da renda que ganhava, até que uma reviravolta em sua vida, que envolveu uma pandemia, um divórcio e uma falência, resultassem em um período difícil para sua vida. A partir de 2022, após não ter mais a vida que conhecia, tudo o que ela conseguiu foi alugar um veículo e toda sua renda passou a vir das corridas de aplicativo.
Nesse período, ela chegou a trabalhar 12 horas por dia e via nessa forma de trabalho um tipo de terapia. Conversar com as pessoas e dirigir acalmava sua mente e a ajudava a passar pelos processos difíceis que estava enfrentando. Mesmo que ela estivesse trabalhando exclusivamente dirigindo desde 2022, a primeira gravação para o PodVal ocorreu somente em fevereiro de 2024.
“Comecei a perceber que eu lido com uma diversidade de pessoas, tanto em âmbito social quanto intelectual e pensei em começar a ouvir essas pessoas, achando que eu estava ajudando elas. Na verdade, eu estava ajudando a mim mesma, porque cada história me fazia subir um pouquinho a mais e sair do fundo do poço”, relatou ela.
O processo de criação de cada episódio ocorre de acordo com cada passageiro. Primeiro, a podcaster conversa com os clientes e tenta descobrir alguma história interessante, sem gravar. Depois disso, ela pede autorização e, se concedida, ela faz os registros em vídeo no seu próprio celular. O material é publicado sem edição, a fim de mostrar realmente uma conversa cotidiana e natural.
“Tem casos que demoram mais de 10 minutos e tem casos que são mais rápidos. Então de acordo com cada pessoa a gente vai criando um diálogo e de repente eu falo ‘Vamos gravar’. Assim vai acontecendo de forma gradativa, leve, muito suave. É gostoso demais”, explicou.
Hoje, as histórias são publicadas nas redes sociais de Valquíria, no Instagram e no Tiktok.
Histórias que marcam
A motorista contou histórias que mesmo após inúmeros passageiros ficaram em sua mente. A primeira delas foi de Marcela, que veio para Cuiabá do interior de Mato Grosso e convivia com um câncer.
Essa passageira precisou deixar tudo para trás para seguir o tratamento na capital. Os procedimentos eram invasivos e ela chegou a ter que fazer hemodiálise 3 vezes por semana. As marcas em seu corpo decorrentes da doença fazia com que Marcela recebesse olhares de desprezo e ela passou a utilizar mangas compridas no calor da cidade.
Valquíria Miranda, a motorista, nunca mais viu Marcela, mas a história permaneceu para ser compartilhada.
Além de histórias de vida, ela também relatou que já se percebeu em situações perigosas. Certa vez, ao perguntar para o passageiro qual sua rota de preferência, ele a levou para um local diferente do destino solicitado pelo aplicativo.
Em uma região de mata, o cliente solicitou que ela parasse e esperasse para que ele buscasse algo e retornasse para dentro do carro. Um mau pressentimento e medo fizeram com que ela cancelasse a corrida e fugisse do local em seu veículo.
“Nós descemos próximo a uma ribanceira e ele falou ‘Ó, moça, eu vou só pegar um negócio ali rapidinho que eu já volto’. Aí se passaram 2, 4, 6 minutos até que eu dei uma ré no carro e vi que tinha um monte de homens dentro da casa em que ele entrou. Eu desliguei o aplicativo e saí vazada, não parava”, relembrou.
Hoje, Valquíria Miranda trabalha em uma empresa e continua fazendo as corridas e gravações em seu tempo livre. Suas redes sociais já acumulam mais de 6 mil seguidores.
“O PodVal é um é um lugar onde eu me ressignifico todos os dias diante das histórias ali contadas, até mesmo relatos. Eu ouço tantas coisas que fazem perceber que existem pessoas que precisam muito de ajuda. Às vezes a gente se cerca no nosso mundinho e não percebemos as outras pessoas”, finalizou ela.
Por Aline Costa