Valorização da moeda norte-americana frente ao real está relacionada ao acirramento dos conflitos no Oriente Médio, à piora de expectativa por uma queda de juros nos Estados Unidos e ao afrouxamento da meta fiscal para controle das contas públicas do Brasil.
Nos últimos sete dias, o dólar disparou frente ao real. A moeda norte-americana saltou de R$ 5 para R$ 5,26, o que representa uma alta de 5,25% nesse curto período.
Após o encerramento do pregão desta terça-feira (16), o dólar não só atingiu como renovou seu maior patamar em mais de um ano, acendendo um alerta para o governo brasileiro e sua equipe econômica.
Em 2023, a moeda norte-americana havia acumulado uma queda de 8,06% no primeiro ano da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Foi um fator importante para o controle da inflação e o consequente início do ciclo de corte de juros.
No início de 2024, o caminho se inverteu. Até aqui, o dólar passou a acumular ganhos de 8,60% sobre o real — impulsionado, em especial, pelas altas desta semana.
Três fatores relacionados à migração de investimentos para os Estados Unidos e às contas do governo brasileiro ajudam a explicar a desvalorização da moeda brasileira nesta semana. São eles:
Expectativa sobre os juros nos EUA
Desde a última decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), foram divulgados novos dados da economia norte-americana, que indicaram um mercado de trabalho aquecido e aceleração da inflação no país. São informações importantes e que deixam o BC dos EUA receoso de cortar os juros do país.
Queda de juros nos Estados Unidos ajuda a valorizar o real frente ao dólar. Quando os juros estão elevados por lá, a rentabilidade das Treasuries (títulos públicos norte-americanos), os mais seguros do mundo, é maior. Assim, quem busca segurança e boa remuneração prioriza o investimento no país.
Em relação a moedas emergentes, como o real, o movimento de valorização do dólar fica ainda mais claro, porque investidores deixam as aplicações mais arriscadas para destinar recursos aos EUA. Quanto menos dólar entra no mercado brasileiro, mais a moeda norte-americana se valoriza.
Na semana passada, no dia 10, houve a divulgação do índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos. Contra as expectativas do mercado financeiro, a inflação ao consumidor acelerou e chegou a 3,5% em março, ante 3,2% registrados em fevereiro.
Após a divulgação dos dados, a maioria das bolsas pelo mundo ficaram no vermelho. As três principais bolsas de valores de Wall Street fecharam em queda, assim como alguns índices acionários na Europa.
Aqui, o dólar passou dos R$ 5,0070 para R$ 5,0774, alta de 1,41% no dia. Mais números de inflação ao produtor, divulgados ainda na semana passada, levaram a moeda americana a R$ 5,1212 na sexta-feira.
Escalada dos conflitos entre Irã e Israel
No fim de semana, um novo capítulo complicou a situação. O Irã lançou um ataque de mísseis e drones contra Israel, após um suposto ataque israelense contra a embaixada iraniana na Síria.
Desde então, o mundo está observado a possibilidade de que Israel possa revidar um ataque realizado pelo Irã no último fim de semana. Caso isso aconteça, os conflitos podem se agravar no Oriente Médio — região que já tem sido paco dos embates sangrentos entre Israel e o grupo terrorista Hamas.
O aumento dos conflitos também significa uma fuga para o dólar, que é considerado um investimento mais seguro. Esse processo valoriza a moeda norte-americana e, por consequência, desvaloriza as moedas emergentes. A primeira reação do mercado veio cedo: o dólar disparou na segunda-feira, chegando à casa dos R$ 5,18.
“Queira ou não, dólar é proteção. É proteção no mundo inteiro. Então, na sexta-feira (12), quando aconteceram os ataques, o mundo inteiro correu para o dólar”, explicou o analista de investimentos Vitor Mizara, na segunda-feira (15), após o início dos conflitos.
A região também é importante produtora de petróleo, o que afeta a cotação da commodity no mercado internacional. A alta do petróleo é uma preocupação primordial por aqui porque acrescenta pressão à política de preços da Petrobras.
Um aumento do preço do petróleo deveria afetar diretamente os valores de combustíveis no Brasil, mas a empresa tem segurado os reajustes desde a mudança da política de preços em maio do ano passado.
Mudanças na meta fiscal
O último elemento para a disparada do dólar nos últimos dias foi a mudança na projeção fiscal do país, anunciada nesta segunda-feira (15) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A nova previsão é de déficit zero para 2025 — e não mais de superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), como previsto até o ano passado.
Para entender melhor:
- Superávit é quando o governo consegue gastar menos do que arrecada com impostos e guarda dinheiro para pagar a dívida pública.
- Déficit é o contrário: quando o governo gasta mais do que arrecada, e as contas ficam no vermelho, com aumento da dívida pública.
A mudança na meta significa abrir mais espaço para gastos, diante de uma dificuldade para aumentar receitas no próximo ano. O mercado financeiro não gostou do afrouxamento ainda no segundo ano da existência do novo arcabouço fiscal.
Segundo o blog do Valdo Cruz, o governo poderia ter optado por cortes para atingir esse patamar, mas a equipe econômica acabou avaliando que o clima no Congresso Nacional não é mais favorável a aumento de receitas e, por outro lado, o presidente Lula não quer sacrificar projetos de investimentos.
Com o afrouxamento do arcabouço, o cálculo dos investidores é o seguinte:
- O país tem uma perspectiva menor de controle da dívida pública;
- Um país mais endividado tem uma probabilidade maior de não cumprir os pagamentos, e se torna mais arriscado;
- Um país mais arriscado só se torna atrativo se pagar juros mais altos pelos títulos;
- Com países mais seguros pagando juros mais altos no exterior, o Brasil fica menos atrativo;
- Se o Brasil está pouco atrativo, os investidores tiram dólares do país.
Por isso, na noite de ontem, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, alertou que mudar a meta fiscal não é o ideal e que a política monetária precisa andar junto à política fiscal. Em outras palavras, indicou que o patamar de juros no final do ciclo de quedas pode ser reavaliado.
No boletim Focus (relatório que reúne as projeções de economistas) divulgado nesta terça-feira, as estimativas para a taxa Selic já saíram de 9% para 9,13% em 2024. Juros altos por mais tempo são prejudiciais para a economia porque tornam o acesso ao crédito mais caro e reduzem o consumo.
Fonte: G1