Para minha esposa, que me ensinou muito do parto – da vida.
Quando ela olha, eu escuto: um raio de sol enchendo, um passarinho brincando, as folhas mexendo. Um mundo com um outro quê, um outro como e um outro quando.
O som do chorar da Maria anuncia uma cor de uma aurora diferente, de uma coisa recém-nascida… Mas sou muito mais eu mesmo… Ah! Esse parto continuado que é a vida, que nos ensina da ambivalência de que tanto Freud falou. Sobrevivemos, mas não completamente.
Queria começar com mesura, com um poder novo nas mãos: o de arrancar alegria do cansaço, do exausto, da dor. Thiago de Mello disse que no caminho do amor ninguém se cansa, porque se aprende a olhar de frente o sol.
Parece tudo divertir Maria e tudo desperta nela alegria. Em todas as coisas vê motivo suficiente para sorrir. Mesmo depois de um longo dia de choro, cólica e desconforto, ela tem alegria. É que noturnos levamos a claridão.
Quanto tempo levamos para ter um sorriso peculiar, um brilho próprio no sorriso, daqueles que doeram muito para sair. Já nascemos com esse sorriso? Uma parteira disse-me que não, é preciso conquistá-lo. Ela mesma emendou, é preciso esperá-lo, não de ficar parado esperando. Às vezes, é assim mesmo, mas não é sempre esperar parado.
De algum jeito precisa do tempo, do tempo que nos ensina que estamos errados, certos, que não sabíamos, de que nem tudo fica, e que fica também. A vida faz rodeios para nos dar as coisas. Falo de uma sabedoria da espera, não sei quem já falou sobre isso, mas, com certeza, já falaram.
Guimarães Rosa disse que o que a gente tem que aprender é, a cada instante, afinar-se como uma linhazinha, para saber passar no furo de agulha que cada momento exige. Ah! Maria já sabe disso, sem saber, recém-nascida – como eu.
Devemos entender que o que é nosso para sempre é aquilo que damos. Em nós está o que suja e o que lava, o que dói e o que abranda. E o poeta já disse que tocando a noite a gente sente a manhã.
Viver é uma alegria doída. Foi esquecido que amar também é uma dor. Na proa da canoa, eu não deixo de sentir a poeira da estrada. No sorriso da Maria, não deixo de experimentar o seu desconforto, porque o sorriso nunca é só um sorriso. O gosto de viver vem com o saber do desgosto. Tudo isso é funduras!
E para aqueles que acham que a alegria, a paz, ou qualquer outro sentimento é puro (não achei essa palavra na vida) … como se a alegria fosse só alegria, o amor fosse só o amor, como se fosse possível sorrir, profundamente, só de alegria … Bom parto!
*Emanuel Filartiga é Promotor de Justiça em Mato Grosso