Uma nova análise da Oxfam, aliança de ONGs que trabalham para combater a pobreza e a injustiça, divulgada às vésperas da 4ª Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que acontece de 30 de junho a 3 de julho de 2025 em Sevilha (Espanha), revela que a riqueza dos 1% mais ricos do planeta cresceu mais de US$ 33,9 trilhões desde 2015 — valor que daria para eliminar a pobreza global anual 22 vezes.
O estudo denuncia o fracasso de um modelo que prioriza investidores privados e alimenta a concentração de riqueza. Desde 1995, a riqueza privada global cresceu oito vezes mais que a riqueza pública. Apenas 3 mil bilionários aumentaram seu patrimônio em US$ 6,5 trilhões no período, representando hoje 14,6% do PIB global.
“O desenvolvimento global está falhando porque os interesses de uma minoria super-rica são colocados acima de todos os outros”, afirmou Amitabh Behar, diretor-executivo da Oxfam Internacional. “Os países ricos colocaram Wall Street no comando do desenvolvimento global. Isso sufoca os esforços para combater a pobreza.”
A Oxfam alerta para a crescente influência de credores privados — responsáveis por metade da dívida dos países pobres — e seus termos abusivos. Como resultado, 60% dos países de baixa renda estão à beira do colapso fiscal, gastando mais com dívidas do que com saúde e educação.
Além disso, os países ricos estão promovendo os maiores cortes em ajuda humanitária desde 1960. O G7, responsável por 75% da ajuda oficial ao desenvolvimento, prevê uma redução de 28% nos repasses até 2026. Enquanto isso, apenas 17% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão no caminho certo para serem alcançadas até 2030.
No Brasil, o cenário não é diferente. “O Brasil é um retrato escancarado do fracasso do atual modelo de desenvolvimento global. A extrema concentração de riqueza no topo, alimentada por um sistema tributário injusto, aprofunda desigualdades históricas de raça e gênero”, destaca Viviana Santiago, diretora executiva da Oxfam Brasil.
Segundo pesquisa de opinião global encomendada pela Oxfam Internacional e a ONG Greenpeace, 9 em cada 10 brasileiros apoiam a taxação dos super-ricos como forma de financiar políticas públicas essenciais como saúde, educação e ações contra a crise climática.
Recentemente, uma pesquisa do Ministério da Fazenda divulgada em junho mostrou que a criação de um imposto de renda mínimo para os super-ricos, aqueles que ganham acima de R$ 50 mil por mês, ou R$ 600 mil por ano, permitiria ampliar a isenção do IRPF para até 14,5% da população, beneficiando especialmente os mais pobres. A medida, segundo o estudo, evitaria perda de arrecadação e ajudaria a corrigir distorções na progressividade do sistema tributário brasileiro. A alíquota aumentaria gradualmente, chegando a 10% para quem recebe mais de R$ 1,2 milhão por ano.
Hoje, quem tem renda maior que R$ 5 milhões por mês, por exemplo, paga apenas 5,67% de alíquota real de imposto. “Hoje, no Brasil, uma pessoa de altíssima renda paga menos imposto de renda do que um trabalhador comum. Então, uma pessoa que ganha mais de R$ 1 milhão, muitas vezes, paga uma alíquota imposto de renda menor do que uma professora, do que um policial militar, do que um bombeiro, do que uma enfermeira. E isso é um retrato da desigualdade de renda no Brasil”, compara o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello.
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Recomendações para justiça social
O relatório “Do Lucro Privado ao Poder Público: Financiando o Desenvolvimento, Não a Oligarquia”, da Oxfam propõe uma guinada no modelo econômico atual. Entre as recomendações, se destacam:
– Criação de uma Aliança Global contra a Desigualdade, com países como Brasil, África do Sul e Espanha na liderança;
– Rejeição do “Consenso de Wall Street” (visão de mundo centrada nos interesses do setor financeiro privado) e valorização de investimentos públicos em saúde, educação e infraestrutura;
– Tributação dos super-ricos, revitalização da ajuda humanitária e reformas na arquitetura da dívida e no sistema fiscal internacional.
“Trilhões de dólares existem para cumprir as metas globais, mas estão trancados em contas privadas dos super-ricos. É hora de colocar o setor público no comando”, defendeu Behar. “Mais países devem seguir o exemplo dos que já se uniram contra a desigualdade, começando por Sevilha.”
Ex-líderes mundiais também se manifestam
A análise da Oxfam foi reforçada por uma carta aberta assinada por 40 ex-presidentes e primeiros-ministros, revelada pelo jornal The Guardian. O grupo, que inclui Gordon Brown (Reino Unido), Helen Clark (Nova Zelândia), José Luis Zapatero (Espanha), Sanna Marin (Finlândia) e os Nobel da Paz José Ramos-Horta e Óscar Arias, alerta para uma crise iminente de desigualdade extrema, com a possibilidade de surgirem os primeiros trilionários enquanto metade da humanidade vive na pobreza.
“Vivemos uma era de volatilidade. Três bilhões de pessoas estão em países que gastam mais com juros da dívida do que com educação ou saúde”, afirma a carta, que critica o unilateralismo e pede uma nova coalizão econômica global baseada em solidariedade, justiça tributária e cooperação multilateral renovada.
Os signatários identificam a conferência em Sevilha, o G20 na África do Sul, em novembro, e a COP30 no Brasil como momentos cruciais para mudar esse cenário. “Trilhões existem para financiar o desenvolvimento, mas estão capturados pelo poder privado. Precisamos recuperar a cooperação internacional e restabelecer a ajuda ao desenvolvimento”, conclui o documento.
Por Vanessa Oliveira