Estudo inédito* apresentado no Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto revela que a área de floresta caiu de 84% para 23% em quatro décadas, pressionando o manancial vital para mais de 7 mil pessoas no Noroeste de Mato Grosso.
Quem abre a torneira em Castanheira, a cerca de 780 quilômetros de Cuiabá, raramente imagina a transformação radical que a paisagem ao redor da sua fonte de água sofreu nos últimos 38 anos. O Rio 7 de Setembro, manancial responsável pelo abastecimento dos 7.459 habitantes do município, resiste em um cenário de pressão extrema.
Um levantamento técnico detalhado, debatido durante o XXI Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR), realizado em Salvador, expôs números que acendem um alerta vermelho. A bacia hidrográfica, antes dominada pelo verde, viu sua cobertura florestal despencar.
Em 1985, a floresta ocupava 84,05% da área. Em 2023, restavam apenas 23,83%. Onde havia árvores, hoje há gado. A pastagem, que cobria uma fração tímida do território, explodiu e agora domina a paisagem, ocupando mais de 71% da bacia.
A metamorfose da paisagem
O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV), do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) e da Unemat , utilizou imagens de satélite e dados da plataforma MapBiomas para reconstruir a história recente da região.
A área analisada está encravada no que especialistas chamam de “arco do desmatamento”, uma zona de tensão ecológica onde a fronteira agrícola avança sobre a vegetação nativa.
Os dados são frios, mas a realidade que descrevem é drástica:
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Floresta: A área de vegetação nativa encolheu de 569,86 km² para 161,44 km².
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Pastagem: O espaço dedicado à pecuária saltou de 7,13 km² para impressionantes 487,43 km².
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Urbanização: A área urbana, embora pequena em comparação ao todo, cresceu quase 19 vezes, passando de 0,15 km² para 2,83 km².
Essa substituição maciça da cobertura vegetal não é apenas uma mudança estética no mapa. Ela altera a dinâmica da água. A supressão da floresta, impulsionada pelo desenvolvimento de atividades produtivas — principalmente a pecuária — pode comprometer a capacidade do solo de absorver a chuva.
Geografia da segurança (e do risco)
Apesar da devastação vegetal, a natureza deu à bacia do Rio 7 de Setembro uma defesa estrutural. A análise morfométrica — que mede a forma e o relevo do terreno — indica que a região tem “baixa susceptibilidade a enchentes”.
O formato da bacia é “alongado”. Para entender melhor: imagine uma bacia redonda. Nela, a água da chuva que cai nas bordas chega ao rio principal quase ao mesmo tempo, causando picos de cheia rápidos e perigosos.
Na bacia do 7 de Setembro, isso não acontece. Os índices calculados pelos pesquisadores (como o coeficiente de compacidade de 2,43 e o fator de forma de 0,17) mostram que ela não é circular. Isso significa que a água leva tempos diferentes para percorrer o caminho até o canal principal, distribuindo o volume e reduzindo o risco de inundações súbitas.
Além disso, a declividade é baixa (0,005 m/m) e a drenagem é considerada boa. O relevo não favorece a acumulação descontrolada de água.
A Bacia do Rio 7 de Setembro
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Tamanho: 678,06 km² de área total.
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Perímetro: 225,94 km de contorno.
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Rio Principal: O 7 de Setembro percorre 85,15 km dentro da bacia.
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Rede total: Somando todos os cursos d’água, são mais de 772 km de drenagem.
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Tempo de resposta: A água leva cerca de 15 horas para percorrer todo o sistema (tempo de concentração).
O perigo invisível no solo
Se o formato do rio protege a cidade das enchentes, a mudança no uso do solo traz ameaças silenciosas. A pesquisa alerta que o desmatamento para o plantio de pastagem na região amazônica costuma gerar a compactação da terra.
Quando o solo fica compactado pelo pisoteio do gado e pela falta de raízes profundas, ele funciona quase como um asfalto: a água da chuva não infiltra. Isso reduz o reabastecimento dos lençóis freáticos e aumenta o escoamento superficial, que lava a terra e leva sedimentos para dentro do rio.
Esse processo, conhecido como assoreamento, pode deteriorar a qualidade da água que chega às torneiras de Castanheira e Juína. Os pesquisadores apontam que a redução das áreas de floresta é um “indicativo de pressão ambiental que demandam atenção do poder público e da sociedade locais”.
A bacia está numa área de transição ecológica sensível, entre o Cerrado e a Amazônia. É uma região de contato entre savana, floresta estacional e floresta ombrófila, o que torna a biodiversidade local rica, mas também frágil às intervenções humanas rápidas.
O que precisa ser feito?
A conclusão do estudo é direta. Embora a bacia tenha uma “boa drenagem” natural, a gestão municipal não pode ignorar a velocidade da degradação. As alterações avançaram drasticamente nos últimos 38 anos.
Para garantir que a água continue chegando com qualidade, os gestores de Juína e Castanheira precisam integrar esses dados físicos às políticas públicas. Não se trata apenas de olhar para o rio, mas para o que acontece em volta dele. O planejamento precisa considerar a dinâmica de uso da terra para evitar que a erosão e o assoreamento comprometam o abastecimento futuro.
* DELIMITAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE BACIA HIDROGRÁFICA DA REGIÃO DO
ARCO DO DESMATAMENTO, ESTADO DE MATO GROSSO. Thaís Vasconcelos Silva, Elaine Gonçalves da Costa, Aldione José Gabriel Chemppi, Josemir Paiva Rocha, Otoniel Nascimento Souza e Wagner Smerman.




