Nos últimos meses, tem sido cada vez mais comum se deparar com celebridades, influenciadores e até conhecidos exibindo resultados “milagrosos” de emagrecimento em tempo recorde.
Por trás desse fenômeno está o uso crescente das chamadas “canetas emagrecedoras” — medicamentos injetáveis originalmente desenvolvidos para tratar diabetes tipo 2 ou obesidade clínica, como a semaglutida (Ozempic, Wegovy), a liraglutida (Saxenda) e a tirzepatida (Mounjaro).
O uso médico, em condições adequadas, pode de fato ajudar pacientes com obesidade e comorbidades. Mas o uso indiscriminado, movido pela pressa e pelo desejo estético, pode trazer riscos sérios que muitas pessoas não têm percebido.
Entre os efeitos adversos mais comuns estão náuseas, vômitos, constipação, refluxo, pancreatite e alterações digestivas importantes. Há também risco de reganho de peso após a interrupção, já que a substância não muda hábitos de vida — apenas aumenta a sensação de saciedade.
Estudos vêm apontando ainda possíveis complicações visuais: um levantamento feito com 139 mil pessoas acima de 66 anos, publicado no JAMA Ophthalmology, mostrou que usuários dessas medicações por mais de seis meses apresentaram o dobro de incidência de degeneração macular neovascular, uma doença grave da retina que pode levar à cegueira.
Outro estudo, também no JAMA Ophthalmology, associou o uso de semaglutida à neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica, uma forma rara de perda súbita de visão.
Apesar de serem casos incomuns, sociedades médicas ressaltam que o risco é real e exige acompanhamento oftalmológico, especialmente em pessoas com fatores de risco pré-existentes.
Apesar de serem casos raros, sociedades médicas ressaltam que o risco é real e exige acompanhamento oftalmológico, especialmente em pessoas com fatores de risco pré-existentes.
Nem solução mágica, nem vilã absoluta
O aumento da demanda abriu espaço para um mercado paralelo perigoso. A Organização Mundial da Saúde confirmou a circulação de canetas falsificadas, inclusive no Brasil, algumas contendo insulina no lugar da substância original — o que pode causar hipoglicemia grave, convulsões ou até morte.
Autoridades sanitárias brasileiras já apreenderam centenas de unidades ilegais nas fronteiras, muitas sem refrigeração adequada ou identificação. Há ainda práticas perigosas, como pessoas tentando “aproveitar” o líquido residual das canetas para doses extras, sem controle de esterilidade ou de quantidade — o que amplia as chances de infecções e dosagens erradas.
Além disso, a saúde bucal também pode ser afetada. Conselhos odontológicos têm relatado aumento de casos de xerostomia (boca seca), condição que compromete a proteção natural dos dentes e mucosas, favorecendo cáries, gengivites e desequilíbrios da flora oral.
E os riscos não param aí. Pesquisas vêm apontando possíveis efeitos menos falados, como hipotensão, desmaios, formação de cálculos renais e reações renais inflamatórias.
Em modelos animais, foram observados tumores de tireoide, embora esse efeito ainda não tenha sido comprovado em humanos. Há também relatos de reações imunológicas, em que o organismo desenvolve anticorpos contra o próprio medicamento, reduzindo sua eficácia ao longo do tempo.
Todo esse alerta se faz necessário para trazer a reflexão de que a busca por um corpo saudável é legítima — e necessária. Há pessoas para quem o uso médico dessas canetas faz parte de um tratamento necessário e eficaz. Mas transformá-las em solução rápida é um atalho perigoso: promete resultados imediatos, mas cobra um preço que pode aparecer no médio e longo prazo.
A velha máxima de boa alimentação, atividade física regular e acompanhamento profissional continua valendo. Ela não oferece milagres, mas entrega resultados sólidos e sustentáveis.
As canetas não são vilãs, mas também não são varinhas mágicas. Usá-las com consciência, respaldo médico e informação é fundamental. Em muitos casos, o caminho mais seguro — e eficaz — continua sendo o mais tradicional.
Por Ana Carolina Cury




