A cidade de São Paulo foi um dia império dos grupos Tupiniquins conhecidos como Goianás. Lugares como Anhangabaú, o vale no centrão paulistano, a cidade de Itaquaquecetuba, e o charmoso bairro do Itaim Bibi não possuem esses nomes aleatoriamente. Foram batizados por seus primeiros donos.
O vasto território Tupinambá se estendia por toda a costa brasileira, formado por grandes aldeamentos, sendo o mais famoso grupo de indígenas Tupis – os Tupinambás de Ubatuba (SP), os quais eram liderados pelo famoso Cacique Cunhambebe, comandante das tribos tupinambás e tupiniquins, unidas numa grande nação guerreira dos Tamoios.
Igualmente, no Rio de Janeiro existiam aldeamentos de Tupinambás – pertencentes à família de língua tupi ou tupi-guarani -, espalhados em aldeias formadas por um número que variava possivelmente de 500 a 3 mil indígenas cada.
Deste modo, onde está localizada hoje a Baía da Guanabara, Ipanema, Barra da Tijuca, pontos turísticos cariocas conhecidos mundo afora, no passado eram locais habitados por indígenas Tupinambás. A serra da Mantiqueira era habitada pelos Purís. Já no médio Tietê, havia os tupis.
Bem, nesse ponto do texto, você deve estar se perguntando sobre a fazenda Santa Maria, localizada no Xingu (MT) e que atualmente está enfrentando uma disputa judicial, onde ao final será decidido se os índios que um dia ali habitaram terão direito de retomar a sua antiga posse. Aqui chegamos a um entendimento determinante, o chamado Marco Temporal de terras no Brasil.
O Congresso Nacional Brasileiro abrigou extenso debate sobre o tema e votou essa questão. Dada a relevância da matéria, promulgou a Lei nº 14.701/2023, definindo como “terras indígenas tradicionalmente ocupadas” como aquelas “habitadas e utilizadas” pelos indígenas para suas atividades produtivas na data da promulgação da Constituição de 1988 – ou seja, determinando um marco temporal para as reivindicações territoriais indígenas.
Com a lei, assegura-se o direito de avocação às terras pelos povos originários que as habitavam então e, ao mesmo tempo, evita-se que injustiças sejam geradas contra outros ocupantes, pessoas que também merecem amparo legal e jurídico. E é justamente que nos parece essencial uma provocação, despercebida por muitos: o marco temporal não interessa somente ao Agro! Afinal, na mais elástica hipótese de entendimento, todo o território brasileiro já foi ocupado por indígenas. O que você, cidadão, diria ou faria caso a propriedade de sua casa ou terreno fosse reivindicada, mesmo você ali morando há mais de 30 anos?
Assim, vale lembrar que a inobservância dessa lei federal ou distorção em sua interpretação poderá abrir precedentes, que por sua vez, poderão ser aplicados em todo todo o território nacional, porque, como diz o velho ditado: “Pau que dá em Chico dá em Francisco!”.
(*) PATRICIA PODOLAM é advogada Ambiental.