O Ministério Público Federal (MPF) apresentou parecer favorável à autorização judicial para o plantio, cultivo, extração, beneficiamento e distribuição do óleo de cannabis sativa L, para fins terapêuticos. O posicionamento do MPF faz parte de uma ação movida pela Associação Canábica em Defesa da Vida (Maleli) contra a União, com o objetivo de receber autorização para produção do extrato vegetal oleoso, destinado ao tratamento de seus associados-pacientes.
Segundo o parecer do procurador regional da República Marlon Alberto Weichert, a maioria dos pacientes só consegue acesso aos produtos da cannabis por meio de doações ou importações emergenciais, com a ajuda de outros pacientes. Além disso, essas pessoas acabam buscando socorro, às vezes, na ilegalidade e correm o risco de serem denunciadas ou de interromperem o tratamento.
Legalidade para fins terapêuticos – O parecer do MPF destaca que a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), ao mesmo tempo em que proíbe o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, prevê que o Ministério da Saúde pode autorizar o plantio, a cultura e a colheita desses vegetais mediante fiscalização.
Além disso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou, em 2014, a Resolução 2.113, que regulamenta o uso compassivo do canabidiol (CBD) para crianças e adolescentes com epilepsias refratárias aos tratamentos convencionais. No mesmo ano, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) acompanhou o CFM e editou a Resolução 268, recomendando o uso do canabidiol nas epilepsias mioclônicas graves refratárias.
De sua parte, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou duas resoluções: a 3, de 2015, pela qual o CBD passou a constar da Lista C1 (Lista de Outras Substâncias Sujeitas a Controle Especial), não sendo mais elencada como substância proscrita; e a 66, de 2016, que permitiu, às pessoas físicas, a importação de produtos que contenham as substâncias canabidiol e/ou tetrahidrocannabinol (THC), em caráter de excepcionalidade, para tratamento de saúde.
No entanto, segundo o MPF, os pacientes relatam a dificuldade para obter os medicamentos por meio de importação devido ao caro e burocrático processo ao qual precisam se submeter. O paciente tem de remeter à Anvisa vasto rol de documentos e aguardar a análise do pedido. Obtida a autorização, precisa realizar a compra do produto por meio de sítios eletrônicos estrangeiros, cujos valores geralmente são muito elevados e sem qualquer garantia de qualidade. Por fim, após esperar por semanas pela chegada do produto, ainda é necessário aguardar o desembaraço aduaneiro.
Para o MPF, “é irrazoável obrigar o paciente e seus familiares a importarem, a altíssimos custos, um produto de baixa tecnologia que pode ser produzido no Brasil. Entraves ideológicos em torno do estigma envolvendo o uso da planta devem ser superados. A cannabis é um vegetal com propriedades medicinais e deve ser assim tratado”.
Benefícios para os pacientes – “O que se sabe hoje”, ressalta o MPF, no parecer, “é que não somente o CBD tem efeitos medicinais, mas também os outros mais de 500 compostos químicos presentes na planta, entre terpenos, fenóis e inclusive o THC, e que a atuação conjunta dos seus efeitos no organismo é que vai determinar a linha terapêutica a ser apontada pelo médico, a depender da enfermidade. E para isso, plantio, cultivo, extração e beneficiamento da planta são os mais indicados”.
O MPF também menciona a nota técnica “Estado atual das evidências sobre usos terapêuticos da cannabis e derivados e a demanda por avanços regulatórios no Brasil”, publicada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em abril deste ano. Nela, a fundação afirma que as pesquisas com maior nível de evidência são conclusivas ou substanciais quanto à segurança e eficácia na redução de sintomas e melhora do quadro de saúde nos casos de dor crônica, epilepsia refratária, espasticidade, náusea, vômitos, perda do apetite e transtornos neuropsiquiátricos.
Condicionantes do pedido – Ao fim do parecer, o MPF sugere algumas condicionantes que podem ser fixadas pela Justiça ao conceder autorização para o plantio e a extração do óleo da cannabis pela Maleli.
Uma das medidas indicadas é a fixação da obrigatoriedade de assunção de responsabilidade técnica por farmacêutico responsável, tal como ocorre com qualquer outra atividade de produção e dispensação de medicamentos. Além disso, deve ser fixada a obrigação de definição precisa do local de plantio da cannabis e do laboratório de destilação dos óleos essenciais.
Também foi sugerido que a Maleli mantenha controle formal sobre o plantio, a produção e a destinação dos produtos, inclusive de eventuais excedentes para fins de controle de seu uso exclusivamente na finalidade terapêutica. A Maleli também não pode funcionar como mera dispensadora de produtos, mas sim como entidade de acolhimento do paciente, sob coordenação de um profissional de saúde de nível superior, preferencialmente um enfermeiro ou um biomédico.
Por fim, foi sugerido ainda que a Maleli mantenha controle periódico de qualidade da produção – genética, estabilidade e análise microbiológica – com laboratório autônomo, preferencialmente com uma universidade pública.
Suspensão da ação – Em março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar caso semelhante ao da Maleli, determinou a suspensão de todos os processos que tratam desse tema e que estejam em trâmite no país.
No parecer, o MPF se manifestou a favor da suspensão da ação da Maleli até o julgamento definitivo da ação do STJ. Porém, o procurador Marlon Weichert já antecipou seu parecer, opinando que, assim que o STJ encerre a suspensão dos processos, o recurso da Maleli seja aceito e o julgamento do mérito da ação, retomado. Além disso, o MPF quer que, ao fim do julgamento, a Maleli seja autorizada a plantar, cultivar, extrair, beneficiar e distribuir o óleo de cannabis sativa L para atendimento dos seus associados.
Da assessoria