A nova onda de tarifas anunciadas pelos Estados Unidos, sob o governo Donald Trump, à exportações brasileiras entra em vigor a partir desta sexta-feira (1°). Para a professora de Relações Internacionais da ESPM e coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Americanos, Denilde Holzhacker, há três fatores centrais para explicar por que o Brasil ainda não conseguiu reverter a decisão: falta de acesso direto à Casa Branca, baixa prioridade estratégica e sabotagem política interna.
“O Brasil tem poucos canais de comunicação com o governo Trump. Como a negociação está centralizada na Casa Branca, houve uma surpresa com a tarifa de 50%, que desarticulou o que vinha sendo tratado diplomaticamente”, explicou a professora em entrevista .
Segundo Holzhacker, além de estar fora da lista de prioridades americanas — dominada por países como China, Japão, União Europeia e Índia –, o Brasil enfrenta obstáculos domésticos. O principal deles, apontado pela professora, é a interferência do deputado Eduardo Bolsonaro. Segundo ela, há um grupo ligado ao político que atua nos EUA “fazendo uma campanha de inviabilizar acessos e canais junto à Casa Branca”.
Na prática, essa atuação dificulta o acesso a informações equilibradas sobre o país, distorcendo a percepção de Washington sobre o atual governo brasileiro.
“Essa campanha contra o governo Lula não começou agora. Ela vem desde a campanha presidencial americana, com forte influência de grupos bolsonaristas junto à extrema-direita americana”, observou.
Diante do impasse, o presidente Lula se vê pressionado a tomar uma decisão delicada: deve ou não ligar para Trump? Para Holzhacker, qualquer iniciativa direta exigiria um gesto concreto de concessão — algo que pode custar caro em termos de soberania e pragmatismo político.
“Trump não negocia no modelo ganha-ganha. Ele força os países ao limite para que os Estados Unidos ganhem muito e os demais pouco. No caso do Brasil, o que está na mesa envolve temas domésticos sensíveis, como participação nos Brics e exploração de terras raras, que o governo não está disposto a ceder”, disse.
De acordo com ela, o governo americano já deu sinais de interesse específico em minérios estratégicos e nos vínculos do Brasil com países como China e Rússia. Mas a especialista alerta: atender a essas demandas significaria ferir princípios da atual política externa brasileira, como a busca por autonomia e a diversificação de parcerias.
“Qualquer ligação hoje exige saber o que o Brasil está disposto a oferecer aos EUA que seja suficiente para fazê-los entender que somos de fato um parceiro. E mesmo assim, o risco de uma humilhação pública por parte de Trump é alto”, avaliou.
A resposta a esse dilema, segundo a professora, passa por uma estratégia mais ampla e menos emocional: distanciar a diplomacia comercial da disputa ideológica. “O ideal seria reabrir uma negociação pragmática, técnica, afastada da pressão política que grupos extremistas têm exercido”, disse.
O tarifaço também despertou questionamentos entre ouvintes sobre seus reais efeitos. Para a professora, embora o impacto inicial afete empresas americanas, os prejuízos para o Brasil não podem ser ignorados, principalmente no curto prazo.
“Há produtos que podem migrar para outros mercados, mas a maioria depende de contratos de longo prazo e cadeias logísticas específicas. Exportações de carne, por exemplo, podem ser redirecionadas com apoio do governo. Já produtos industrializados feitos sob demanda para os EUA exigem reestruturação completa.
Na visão de Holzhacker, o Brasil tem sido usado como exemplo negativo para os vizinhos: um alerta sobre o que acontece com quem resiste à lógica de dominação tarifária de Trump.
“É quase uma retomada da velha política imperialista americana: os países da América Latina que não se alinham vão sofrer. E no caso dos Brics, o Brasil pode ter sido o escolhido para servir de sinal aos demais.”
Da CBN