Érico Veríssimo, um dos grandes escritores brasileiros do século XX, em sua obra “Olhai os Lírios do Campo”, sopesando o ensinamento bíblico que a verdadeira felicidade pode estar nas coisas simples e no desapego a bens materiais, destaca que “de que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles? (…).
Em diversas oportunidades invoquei os ensinamentos do poeta gaúcho de Cruz Alta para reforçar a tese que mais importante que as obras físicas é a supremacia da cultura da paz, cultivando as práticas da tolerância, solidariedade e compreensão, visando a efetiva conquista de uma sociedade justa.
Para Verissimo, que deixou o plano terrestre em 1975 “é indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão”, pois, segundo ele “o espírito de gentileza pode salvar o mundo. O que nos falta é isso: espírito de gentileza. Boas maneiras de homem para homem, de povo para povo”.
Quanta sabedoria difundida em forma de poema. É comum que pais, familiares e as lideranças de setores da sociedade, se empenhem em propagar a possibilidade de edificação de obras físicas visando, destarte, melhorar a qualidade de vida das pessoas. Assim, no âmbito familiar o conceito de propriedade privada, da acumulação e do desfrute dos benefícios que a modernidade oferece é confundido, não raro, como qualidade para os seus integrantes. Em verdade, são instrumentos capazes de facilitar a vida, mas jamais substituem o verdadeiro escopo da imprescindível convivência social, em harmonia com a natureza para legar ao futuro, empós nossa curta existência, algo de melhor qualidade na vida terrena.
Quando vejo a proliferação de entendimentos supremacistas sobre raça, costumes, opção sexual ou política, etc., em regra nascidos de evidente má formação do ser humano, não há como deixar de avaliar se tudo que alcançamos e acreditamos vantajoso, é, efetivamente, importante. É tão simples e bela a vida que, construir um arranha céu para morar no alto só tem relevância se eu me postar nas alturas, sem esquecer daqueles que, por opção ou impossibilidade material, não se ajustam a essa situação. O simples postar-se em um lugar diverso da maioria, não autoriza ninguém a desprezar os princípios da vida em sociedade.
É inacreditável como a modernidade tem contribuído para a propagação das vaidades de muitos e a ignorância de tantos que só se ocupam à construção de caminhos para “qualificar” a própria vida. E o que é pior – acham-se donos absolutos das verdades e eventuais críticas proferidas, não são expelidas com o propósito de melhoria dos padrões existenciais, prestando-se, em regra, à disseminação de conceitos, equivocados. Quando as pessoas sintonizadas com a vida em coletividade falam em “críticas construtivas”, almejam transformar uma situação e conduzir a um lugar melhor, aqueles que eventualmente sofrem, sem ignorar, todavia, que é imprescindível respeitar as diferenças para igualar todos. Apenas isso.
Hoje, não raro, se ouve alguém dizer “é preciso destruir” para implantar o que pensam ou acham, sobre algo ou alguma coisa. Há nisso, acintosa afronta à própria existência, pois, não se pode ignorar que a humanidade atual é o resultado da evolução sistemática e constante, desde os seus primórdios, pelo mero aprimoramento intelectual de todos, indistintamente. Aliás, é contraditório até mesmo para os que se aliam à tese absurda que basta “ter mais” para “ser melhor”.
O grande desafio do ser humano é empreender medidas voltadas para a construção de vidas, cada vez mais consentâneas com as regras que nos trouxeram até o Século XXI. Basta, para tanto, aprimorar os padrões, relativos à igualdade social e vida sustentável e desprezar as eventuais incúrias acumuladas ao longo dos tempos, fruto da ignorância humana. Assim, o poema de Veríssimo poderá ser atualizado para contemplar a oração “despiciendo dos arranha-céus existentes e das vaidades individuais, a sociedade em geral é fundamentada e preserva as mesmas regras para a efetiva supremacia da vida humana”.
*Edmilson da Costa Pereira é Procurador de Justiça em Mato Grosso