O processo para obter a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) pode ter uma mudança histórica, se depender de um projeto em estudo pelo Governo Federal. A proposta do Ministério dos Transportes prevê o fim da obrigatoriedade das autoescolas, tornando o curso teórico e as aulas práticas facultativos. A medida não tem data para entrar em vigor, pois ainda aguarda aprovação da Casa Civil para início da tramitação.
Atualmente, para obter uma CNH nas Categorias A (motos e triciclos) ou B (carros de passeio), o candidato precisa fazer um curso teórico de ao menos 45 horas-aula, além de aulas práticas com pelo menos 20 horas-aula. Essa exigência é regulamentada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran), bem como prevista no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), Lei 9.503 de 1997. Há ainda exigência de taxas e três exames: Aptidão Física e Mental, Teórico-técnico e prova Prática Veicular.
Esse processo custa, em média, R$ 3.200, sendo cerca de R$ 2.500 destinados à autoescola e R$ 700 em taxas. Segundo o Ministério dos Transportes, esse valor elevado é um dos principais entraves para milhões de brasileiros que estão em idade para dirigir, mas não possuem habilitação. Estimativas apontam que até 40% dos condutores de carros e 45% dos motociclistas circulam sem CNH. A solução encontrada retoma o que era prática no Brasil no passado.
Caso aprovado, o candidato será dispensado de fazer cursos teóricos ou práticos, inicialmente para CNH A e CNH B. Como a proposta ainda está em estudo, não há regras de como será na prática o processo. Todavia, a pasta já divulgou detalhes do projeto.
O novo modelo se baseia em experiências de países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Uruguai, onde a formação é mais autônoma e centrada nas avaliações finais. O candidato poderá estudar por conta própria, contratar um instrutor autônomo credenciado ou seguir com o modelo tradicional das autoescolas. Além disso, o uso de simuladores e veículos adaptados deixaria de ser exigência legal, desde que o processo seja realizado conforme as normas do Contran.
Tomando como referência o modelo atual e observado as medidas propostas pelo governo, o candidato deveria se submeter ao teste de Aptidão Física e Mental e, caso aprovado, ao exame de legislação. As aulas teóricas seriam facultativas. Na sequência, o interessado poderia já se inscrever para o exame prático, sem necessidade de um mínimo de aulas. Uma vez aprovado, receberia a Permissão para Dirigir (PPD), como já acontece.
Com essas mudanças, o custo para emissão da CNH poderia ser reduzido em até 80%, segundo o Ministério. Outro objetivo é facilitar a inserção de jovens no mercado de trabalho, onde a CNH é requisito em diversas funções. Há ainda ganho de tempo: no modelo atual, o aluno leva no mínimo 90 dias para obter a habilitação, caso seja aprovado de primeira em todas as provas.
O tema tem sido questionado por entidades e pesquisadores de Trânsito, sobretudo pelo anúncio sem debate. “Se o governo alega que o motivo é o alto custo para aquisição da CNH, não há nenhuma movimentação para que taxas de serviços que compõem o valor final para o usuário sejam reduzidas. Existem muitas taxas a serem pagas. Isso já traria um impacto positivo na redução dos valores”, aponta o professor Carlos Elias, especialista na área e criador do canal Manual do Trânsito.

Brasil já teve modelo sem autoescola
A proposta de acabar com a obrigatoriedade das autoescolas, caso seja aprovada, não será novidade no Brasil. Durante a vigência do Código Nacional de Trânsito de 1966, o procedimento era mais simples: bastava ao candidato ser aprovado em uma prova teórica — que se limitava, em grande parte, ao conhecimento de sinalização — para iniciar as aulas práticas, sem carga horária obrigatória. Após esse período, realizava-se o exame prático final junto ao órgão de trânsito estadual.
Outro marco na trajetória da CNH foi a Resolução nº 734/1989, que instituiu a obrigatoriedade de exames médicos periódicos a cada cinco anos — e a cada três anos para condutores com mais de 65 anos. Até então, a carteira só precisava ser renovada aos 40 anos de idade.
O sistema atual está estabelecido desde 1998, quando entrou em vigor o atual Código de Trânsito Brasileiro. Diante da transição entre os modelos, o artigo 150 do atual CTB previu um exame específico de atualização para motoristas habilitados sob regras anteriores, abordando conteúdos que passaram a ser obrigatórios após 1998.
Já existem textos no Congresso Nacional sobre o tema. O projeto de Lei 4474/2020, proposto pelo deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP) busca fazer a mesma alteração proposta pelo governo. Ele tramita em conjunto ao PL 3781/19 e outros 200 que também alteram o Código de Trânsito.
“Apesar desse tema ser um tema recorrente, existem projetos de leis dos mais diversos nesse caminho, das mais diversas formas. Foi uma surpresa para todo mundo. Até porque o ministro, nessa entrevista, ele apontou que já está na mesa do presidente da República, que só precisa da decisão política. Não há necessidade de envio de projeto; basta uma resolução do Contran”, afirma Carlos Elias.
Por Thiago Ventura