A paisagista Elaine Peres Caparroz, de 61, carrega no corpo e na mente sequelas de uma sessão de agressões, sofrida há seis anos, durante uma tentativa de feminicídio ocorrida em um apartamento de um condomínio onde mora, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Na ocasião, ela foi espancada por quatro horas pelo lutador de jiu-jitsu estudante de direito Vinícius Batista Serra.
O espancamento causou, entre outras coisas, fraturas no rosto e na raiz de um dente. Elaine levou ainda 60 pontos na boca, teve perfuração em um dos pulmões, passou por mais de dez cirurgias, e precisou de dois anos para se recuperar de um inchaço na cabeça provocado por socos e chutes.
Ainda se submetendo a terapias para se recuperar do trauma psicológico que sofreu, Caparroz relembrou do passado de sofrimento, ao saber pelo noticiário, e pelas redes sociais, que outra mulher passa por um drama semelhante ao que enfrentou. No último sábado, Juliana Garcia dos Santos Soares, de 35, foi agredida no elevador de um condomínio pelo namorado e ex-jogador de basquete Igor Eduardo Pereira Cabral, de 29, em Natal, no Rio Grande do Norte. A violência foi filmada por uma câmera de segurança. As imagens mostram o ex-atleta desferindo 61 socos em sequência contra a vítima. A exemplo de Elaine Caparroz, Juliana teve o rosto desfigurado. Ela sofreu fraturas no nariz, na mandíbula, na estrutura óssea do globo ocular, na bochecha e na base superior do maxilar. Nos dois casos, os agressores alegaram ter cometido os crimes por sofrer de algum tipo de doença.
— Olha, eu me identifiquei imediatamente com o ocorrido, fiquei em estado de choque durante uns dois dias pelo menos. Eu fiquei passando muito mal, muito mal, e cheguei a chorar. Porque eu vivenciei exatamente o que ocorreu comigo. Só que no meu caso, (as agressões) não foram filmadas. Mas, foram da mesma forma. O jeito que ele bateu nela(Juliana), foi da mesma forma que fui agredida. A única diferença é que o criminoso que me agrediu, ele sentou, ele ficou em cima, me jogou no chão e ficou em cima do meu corpo. E ele me batia, aí quando eu desmaiava, ele ficava esperando eu voltar a mim e depois começava novamente. Ele segurava meu rosto com uma mão, me espancava, me esmorrava com a outra. Então, quando eu vi isso(as cenas das agressões sofridas por Juliana) eu fiquei muito, muito mal mesmo. Ainda estou chocada, mas vou melhorando aos poucos — disse a paisagista.
Perguntada sobre o que falaria para Juliana, Elaine Caparroz disse que pediria para que ela focasse em se recuperar o mais rápido possível. E que não se sentisse constrangida.
— (Eu falaria)para ela não se sentir constrangida diante do que ocorreu. Porque quem tem que se envergonhar de ter tido essa atitude horrorosa é o criminoso que a agrediu. Ele é o agressor. Falaria para ela que muitas pessoas estão a apoiando e desejando que ela se recupere o mais rápido possível. Que ela foque na recuperação mesmo. Que tenha paciência e confiança que no fim vai dar tudo certo— disse.
Elaine Caparroz foi agredida em fevereiro de 2019. Ainda hoje ela sofre com as sequelas causadas pelo espancamento.
— Primeiro que tive que fazer implante dentário. O tratamento demorou um ano. Ele quebrou a raiz de dente. A minha gengiva foi aberta, devido aos murros que ele me deu. Meus lábios foram estraçalhados. As gengivas abriram de ponta a ponta. Ele rasgou minha língua. Tive as minhas duas áreas orbiculares fraturadas. O meu rosto ficou muito, muito deformado durante dois anos e meio. Meu rosto, minha cabeça ficou do tamanho de uma melancia e demorou dois anos e meio para desinchar. Fiquei com sequelas. A musculatura facial foi desprendida. Ela se desprendeu do meu rosto. Minha maçã do rosto desceu. O agressor destruiu meu rosto. Me causou prejuízos emocionais e psicológicos. Até hoje faço terapia — concluiu.
Em dezembro de 2024, a Justiça do Rio considerou inimputável Vinícius Batista Serra, acusado de tentativa de homicídio e feminicídio contra a paisagista. Na ocasião, o entendimento da 7ª Câmara Criminal era de que o acusado não poderia ser responsabilizado pelo crime porque cometeu as agressões devido a comportamentos violentos causados por distúrbios do sono.
Na época, a defesa do réu disse que Vinícius sofre de parassonia, eventos indesejáveis que ocorrem durante o sono ou na transição do sono para a vigília ou vice-versa. Esse transtorno consiste em falar (muitas vezes de maneira profana) e às vezes fazer movimentos agressivos durante a fase de sono com movimento rápido dos olhos (REM), geralmente em resposta a um sonho.
O comportamento é considerado como um evento psicológico anormal. O sonambulismo, terrores noturnos, bruxismo, pesadelos e transtornos de movimento, são exemplos de parassonias que devem ser tratadas de forma específica, caso condicionem a vida da pessoa. Quando acontece em adultos podem ser sinal de que a pessoa vive um problema ou insegurança. As que são mais duradouras, persistindo durante anos, podem estar associadas ainda estresse ou ansiedade.
A mesma decisão determinou que Vinicius prossiga com um tratamento ambulatorial, indo a uma unidade de saúde uma vez por mês e tomando remédios para sua doença. Diz também que seu caso poderá ser reavaliado. Dependendo do resultado, ele poderá ser internado em uma unidade psiquiátrica.
Segundo a paisagista, sua advogada já entrou com um recurso contra a decisão.
Já no caso de Juliana, o ex-jogador de basquete, que aparece nas imagens agredindo a vítima, em Natal, alegou ter sofrido um surto claustrofóbico no momento da violência. Ele explicou que sofre de claustrofobia e que a agressão foi desencadeada por um desentendimento com a vítima, que, segundo ele, não abriu o portão e a porta de casa e, em seguida, o xingou e rasgou sua camisa dentro do elevador.
Por Marcos Nunes