Com a entrada em vigor do tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos sobre os produtos brasileiros a partir da próxima semana (em 6 de agosto), Mato Grosso deve perder cerca de R$ 648 milhões no seu Produto Interno Bruto (PIB), segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Embora o valor seja expressivo, o estado aparece apenas como o 16º mais prejudicado entre todas as unidades da federação. A sobretaxa atinge em cheio setores estratégicos da economia local, que mantêm relações relevantes com o mercado norte-americano.
Entre os principais setores industriais afetados em Mato Grosso estão o de alimentos, metalurgia e produção vegetal. Já na relação dos produtos a serem diretamente impactados pelas tarifas estão a carne bovina congelada, ouro em formas brutas, sebo bovino e soja. Juntos, esses itens representam mais de 90% das exportações estaduais para os Estados Unidos em 2024. Nesta semana, o presidente norte-americano Donald Trump tirou quase 700 produtos da lista do tarifaço. Entre as exceções estão produtos como suco e polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis. Todavia, café, frutas e carnes permanecem entre os itens afetados pela taxação.
A reportagem do jornal A Gazeta ouviu representantes do comércio e serviços, indústria e agronegócio, que manifestaram preocupação com os desdobramentos da medida e com a imprevisibilidade quanto à duração da tarifa imposta.
INDÚSTRIA
Um dos setores mais interessados nos desdobramentos da retaliação comercial imposta aos produtos nacionais é o madeireiro. A participação da madeira brasileira nas exportações para os Estados Unidos é significativa. Em 2024, o Brasil enviou US$ 1,62 bilhão em madeira e produtos relacionados, incluindo madeira moldada, carpintaria, painéis e carvão de madeira – o que representa 43% de todas as exportações brasileiras da cadeia, segundo números de 2023 e estimativas reforçadas por 2024. Os dados são da UN Comtrade, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Conforme o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), somente em 2024, Mato Grosso exportou US$ 67,7 milhões em produtos de madeira, sendo US$ 12,2 milhões destinados aos Estados Unidos – 18,8% da pauta de exportações do setor no estado. Por meio de nota, o presidente do Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira de Mato Grosso (Cipem), Ednei Blasius, frisou que a preocupação recai, principalmente, com relação aos produtos de maio valor agregado, como deck e piso com e sem verniz, que representam grande parte das mercadorias enviadas aos estadunidenses.
“Vale lembrar que este tipo de produto é feito sob encomenda e possuem medidas que atendem ao mercado norte-americano, o que inviabiliza a venda para outros clientes. A decisão unilateral dos EUA compromete contratos em andamento, ameaça empregos e enfraquece a competitividade do setor no mercado internacional”.
PECUÁRIA
Para o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Roberto Perosa, a aplicação da tarifa sobre produtos brasileiros somada à alíquota atual de 26,4% é um duro golpe que compromete a viabilidade econômica das exportações aos EUA, que importaram 229 mil toneladas em 2024. Para 2025, a previsão era atingir 400 mil toneladas. “A entidade está em diálogo com os importadores e colabora com o governo na busca de uma solução negociada. Reforça a importância de preservar o fluxo comercial com os EUA, que enfrentam atualmente o menor ciclo pecuário dos últimos 80 anos e também destaca a atuação conjunta do esforço na abertura de novos mercados e nas articulações diplomáticas e comerciais”, disse por meio de comunicado. Procuradas pela reportagem, a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) e o Instituto Mato-grossense da Carne (Imac) disseram que não vão se manifestar.
AGRICULTURA
No caso da soja, milho, bem como seus subprodutos, entre os isentos da tarifa de 50%, os reflexos indiretos podem gerar grande impacto ao setor produtivo brasileiro devido à desorganização da cadeia de proteína animal, diante da taxação sobre carnes bovina e de frango – setores que utilizam farelo de soja e milho como base para ração. O presidente da Associação de Produtores deSoja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Lucas Beber, alertou para o risco de acúmulo de estoques no mercado interno, o que pode pressionar os preços pagos ao produtor. Beber também demonstrou preocupação com uma possível sanção americana contra a importação de fertilizantes da Rússia, em virtude da guerra na Ucrânia – considerando a dependência brasileira destes insumos. O aumento no custo operacional, agravado ainda pelo preço do diesel também pode comprometer a rentabilidade do setor. Questionado sobre alternativas comerciais, o representante ponderou que apesar da China ser uma parceira relevante, o país asiático tem reduzido o ritmo de importações e investido na ampliação da produção interna. “A maioria dos produtos afetados pelo tarifaço não terá para onde ir. É preciso diplomacia, não confronto. O Brasil precisa de diálogo com os Estados Unidos, goste-se ou não, pois dependemos deles em vários aspectos. O momento é de olhar técnico, não ideológico”.
COMÉRCIO E SERVIÇOS
Neste caso, o tarifaço pode provocar efeitos em cadeia no setor de comércio e serviços, especialmente em regiões dependentes das exportações do agronegócio e da indústria. Com a possível retração nas vendas externas e aumento dos custos de produção, a circulação de renda tende a diminuir, impactando diretamente o consumo interno, a geração de empregos e o desempenho de pequenos negócios. Além disso, o encarecimento de insumos e produtos importados pode pressionar os preços e reduzir a margem de lucro dos prestadores de serviço.
“O tarifaço chega em um cenário de forte pressão na carga tributária, com o aumento do IOF e a manutenção da taxa Selic em 15%. Os setores de comércio e serviços são movidos por expectativas e, mesmo não sendo impactado num primeiro momento, o prolongamento desse quadro pode implicar na estagnação do consumo em médio e longo prazo e perda no potencial de geração de empregos”, analisa o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL Cuiabá), Junior Macagnam.
Por João Freitas